25 setembro, 2005

O fim da privacidade

Como você não está mais sozinho, e a verdade, sim, esta lá fora.
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Artigo publicado no Jornal "O Povo em Fortaleza", aqui na integra

11 de Setembro. Várias lições. Entre elas, uma importante: Carnivore. Programa do F.B. I que vasculha toda a informação que passa na Internet, sim, (no backbone, espinha dorsal, pra quem não é do assunto). ? Surpreso? Manda ver no Google (não ganho comissão...) e você irá encontrar os links do que falo Este programa é uma evolução de programas antigos, conhecidos pelos nomes Etherpeek and Omnivore. São seus e-mails, seus arquivos copiados, os sites que você acessa os newsgroups, os posts na NET. Não se sente tranqüilo ainda? Pois bem, todas as ligações via celular são gravadas, digitalmente. Suas conversas? Acessos a ela? Pede pra Polícia Federal, com mandato, você consegue. Bem, que tal então as novas câmeras que funcionam via protocolo wireless e cabem nas costas de uma abelha? Com direito a som inclusive. O que você compra? As empresas de cartão crédito já venderam suas informações para outras empresas, ou será que foi a empresa de Jornal? Certamente você já recebeu aquela ligação que começa com – Olá, sou João Souza e estou aqui para perguntar se você recebe seu jornal todo dia? – Quase decorado. vaudeville da informação dispersa gigante e abestalhada.
E as compras no supermercado? Já usou seu cartão XIS, mega cósmico? Precisam saber o que alguém com x anos, x dias, y filhos, estado civil z, consome do produto Pimpa Pimpão, ou do detergente aborígine espacial, claro, para armazenar esta informação numa base, que sofrerá data minning e que mediante um algoritmo, nunca antes inventado ira imprimir um grandioso cross selling que permitirá que saibam que pessoas caracterizadas pela compra xyzt com certeza irão também querer o produto megaplusdistrans RTUX.
Ir ao banheiro? Que tal a experiência com o recente produto da escatologia (não religiosa) sexual das toilet cams? Sim, câmeras nos banheiros, ocultas em botões, manchas na parede que mostram o segredo de como nós usamos os banheiros. Poético não? Digite toilet cam na web, pra ver os resultados. Não contente? O filtro anti-spam, filtra somente spam? Que tipo de comunicação ele barra ou poderá barrar? O gerente da rede já mandou alguém embora por uso indevido da internet? O que tinha ele para esconder? Alguém trabalha com Telemarketing? Quantas vezes anotaram suas folgas para ir ao banheiro e o tempo de suas ligações?
Temos ainda o celular presente em cada ação sua, com localização GPS, e mais, com roteamento de ligações... sim, podemos achá-lo em qualquer lugar, assim, você pode trabalhar a qualquer hora, em qualquer tempo. Caso isto não seja o bastante, desde que você saia para a rua, o Google Earth pode dar a localização de cada um em qualquer lugar o tempo todo. Pra onde você vai fugir? Pra algum lugar que não esteja sintonizado nesta coisa de globalização...
A farmácia que vende seu remédio para calvície ou pra fugir da obesidade e estrias armazena os produtos que você compra, e cruza estes dados, pasmem, com o seu jornal! Assim, sabe-se que tipo de propaganda fazer no seu bairro.
O índice de audiência nos canais por hora é estatístico, mas a TV digital e qualquer TV que funcione como uma rede, a cabo, por exemplo, sempre armazena o que você está assistindo, em que hora, quanto tempo você fica plugado na tela. O rádio, ainda não é bidirecional J , salvo rádio web. Seu Messenger garante a presença on-line, o que mais ele garante? Seu provedor com certeza sabe por onde você anda navegando e não adianta limpar o histórico do seu browser. Sua privacidade é assunto em extinção... IBAMA em você. As cartas podem ser abertas por qualquer governo, você sabia? E o seu lixo? Aquilo que seu telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor descarta?
Seu lixo, já reparou que tem dias em que os caras que coletam seu lixo não são os lixeiros habituais e sim gente que você não conhece; empresas de pesquisa dos produtos xyz que querem saber o que vocês andam fazendo. Estas pesquisas são vendidas, afinal é disto também que vivem os institutos de pesquisa... vivem de você.
Restam ainda as redes de relacionamento onde você entra, compartilha e diz o que você “pretensamente” gosta, ou talvez o que outros gostam que você sinta-se na obrigação de gostar ou de ficar por dentro de um assunto. Aqui você tem a impressão de participar de algo, maior do que você, mas que no fundo fica evidente que é quase uma representação da sociedade da informação atual; saber sem conhecer, conhecer sem saber, acúmulo de dados, repetição de padrões, pseudo-sociedades conectadas por interesse comum, mas que morre ali, na identificação do indivíduo com a dialética negativa distribuída, que por sua vez, é estéril, nada cria.
Foi ao médico, ficou doente? Isto estará na sua ficha; acredite! Existe algo mais funcional no Brasil do que o fichamento do crédito pessoal? Você não tem crédito, acredite, é mais funcional rastrear seu crédito em n bancos e n cheques do que rastrear o analfabetismo do brasileiro. Já tentou comprar algo com o tal, “nome sujo”, ou ainda com qualquer detalhe na sua ficha no banco? CPF? CPF...

UM DIA EM SUA VIDA

Bem então você acorda, vai para o trabalho, liga o radio ou o mp3 player para baixar um arquivo que veio de algum lugar (alguém esta interessado em saber disto), entra no carro, vai dar uma paradinha na academia (geração saúde), neste meio caminho de seu carro ou ônibus até a academia, seu celular foi ligado, já sabem onde você está às câmeras da Marginal (claro, afinal todos somos paulistas...) já filmaram você, até a porta da empresa/academia, onde outras câmeras assumirão o comando; as do condomínio. Depois ao chegar à empresa, você liga sua máquina que rastreia suas atividades diárias, site a site (isto é necessário afinal você é funcionário) a lista de acessos mensais vai para o data minning, no fim do mês todos ficam sabendo o que você. Fez, viu , acessou. Sai para almoçar, mas seu almoço é pesado e pago com o cartão da Rede Compre que rastreia o estabelecimento e valor gasto, isto será cruzado com informação demográfica para estabelecer perfil dos consumidores da região, que será revertido nos belos outdoors que demonstram como ser uma mulher mais bonita, sem rugas nem estrias, um homem mais moderno. Após isto você ainda terá a oportunidade de voltar ao trabalho receber algumas ligações gravadas, responder e-mails rastreados, salvar documentos factíveis de ser públicos (veja este aqui, por exemplo) até o horário do seu fim de dia, aonde irá embora não sem antes de passar novamente pelas catracas que marcam todas as horas, de sair do seu computador e telefone e não sem antes de dar um ciao para as câmeras de vídeo do prédio. Marginal de novo, depois escola, quem sabe academia ou o supermercado que irá trazer a oportunidade de você consumir gravando seus dados pessoais em cada compra. Ao chegar em casa, oi para nova câmera, a do condomínio e a do elevador, responder e-mail, ler o blog, tudo rastreado. Por fim ligar a TV (absolutamente não é a melhor forma de terminar a noite, mas o cabo esta ali) enquanto você assiste um programa maravilhoso estão gravando tudo. Inclusive, a hora que você acorda, se quem te acorda é a operadora de celular ou a televisão.
Temos ai, o carro sendo analisado por câmeras enquanto você. Anda de um lado ao outro, o seu programa de p2p (Kazaa e seguidores), direitos autorais e pirataria enquanto você. Usa seu programa predileto, com todo mundo sabendo.
As bases são cruzadas. Minnings, ligações, spam, e você? Não soube de nada disto. Sorria você está sendo SCANEADO. (Não faltou a letra A não...).

PARANÓIA OU COMO AMAR O GRANDE IRMÃO.

Paranóia? Pois bem, faça o seguinte exercício: Conte o número de câmeras que interagem com sua imagem por semana. Depois, veja ao seu lado que tipo de informação hoje é digital e não analógico. (Tudo que é digital é factível de ser rastreado). Busque na NET por cidades como Mogi das cruzes, onde todas as ruas do centro são filmadas, veja as cidades americanas que já tem wi-fi pronto, basta ligar seu micro e ele esta conectado ou estão conectados em você. 3g? TV no pulso? Ou GPS instantâneo? E os chips de localização via satélite? Num primeiro momento pra proteger famosos, shiny happy people. Num segundo momento para sabermos quem é você. Diga-me com quem andas...
Transferência bancaria? Espera, já estão quase cruzando com o programa da receita.
Quem tem algo a esconder? Quem quer manter sua vida privada? Quem quer tudo claro? Quem quer o coletivo? Seria esta a utopia socialista? Seria esta a cartada final para a manipulação das massas? O que é a massa nos tempos digitais? Ela não consome mais, logo, o que podemos fornecer para o lumpen (já viu algo mais preconceituoso que este conceito... hahahahah). O Grande irmão de 1984 não se importa que você o ame, por que ele te ama, e através da análise do que você consome aonde você vai, o que você assiste, ele irá garantir sua felicidade.
A privacidade como constituinte da liberdade já é mera ficção, deste o código binário.
A ciência nos brinda com o seu paradoxo, ou com o nosso eterno paradoxo de conviver com progresso-retrocesso em cada conceito. O fim da privacidade encerra questões super positivas como o fim dos fios (wi-fi, blue tooth), banda digital para todos (commodities), sistema penal e criminal mais eficiente, igualdade ao acesso das informações, dispositivos móveis pessoais unificados, controle do trânsito e engarrafamentos (eu já tenho um projeto disto...:), mas quem garante o uso da tecnologia neste modo. Para 8.000 anos de civilização, sobram favelas. Temos ainda os assuntos de espionagem pura e simples como Keylogger, spyware, adware. Propaganda de SMS celular. Telas flutuantes, outdoors, bombardeios de mensagens promovendo o futuro. O futuro globalizado. Sites que tem seu track pessoal, fulano compra x, assiste y, come z. Logo, ofereça h porque tem z de crédito. ? O celular como obrigação, resposta aos e-mails como obrigações, os seus fetiches como moeda de troca entre empresas, os seus medos expostos como espetáculo de consumo, a sua casa e a sua vida invadidas, já sem opção e sem volta. A sua identidade é algo que qualquer governo pode criar, mediante inserções de registros nos bancos de dados corretos, você pode ser qualquer coisa, desde terrorista até o melhor político de todos os tempos.
Esta discussão continuará nos artigos sobre o novo marketing, os crimes digitais, as autenticações biométricas (scaneamento de sua íris, mãos, digitais, etc.) e conteúdos personalizados por coordenadas geodésicas.
Caminhamos para o fim absoluto da privacidade, até porque logo faltará espaço para ser privativo. O tamanho das casas, a concentração urbana, o merge de pessoas, o esgotamento de recursos, o aquecimento global, a impessoalidade e mecanização dos serviços e dos processos de compra, supermercados eternos da nossa impessoalidade.


Keywords
Privacidade, Grande Irmão, Cotidiano, Futuro, Psicologia, Data Minning, Google Earth, GPS, Câmeras, Micro Câmeras, utopia.